Por mais que sejam interessantes as exposições sobre o Egito Antigo, com todas as riquezas materiais e históricas disponibilizadas ao público, um fator em especial me faz pensar e mesmo lamentar: a grande maioria das peças mostradas são frutos de violações de túmulos.
Sob o ponto-de-vista de cientistas ateus ou mesmo seguidores de religiões ‘modernas’ esse fator pode não ter importância, mas vendo por um outro ângulo, ou seja, o diametralmente oposto, tudo isso é de uma falta de respeito imensa.
Suponhamos ir um dia a um museu e nos depararmos com uma exposição de roupas, cadáveres em diferentes estados de decomposição ou mumificação natural, jóias, lápides, túmulos inteiros transpostos para dentro do museu. Suponhamos que esse material inteiro tenha sido trazido de um cemitério cristão do século XIX. Revoltante? Será, com certeza. Dirão alguns que as almas dos mortos não ficarão em paz. Dirão que é um descalabro. O Vaticano iria se pronunciar e tentar embargar a exposição inteira. Grupos religiosos farão passeatas na frente do museu exigindo restituição dos mortos aos seus locais originais de descanso.
O mesmo se daria com túmulos de mortos judeus, muçulmanos, budistas… por que não então estender esse respeito aos mortos de outras culturas ou religiões já desaparecidas? Por falta de ter quem os defenda? Talvez.
Por muitos anos podemos ver expostos em bandejas imensas uma coleção considerável de escaravelhos esculpidos em diversos materiais. Foram retirados de dentro das bandagens de uma múmia. Eram parte do conjunto que servia para proteger a alma do morto. Alguém arrancaria das mãos de um cadáver moderno o seu crucifixo?
Fico no meu canto pensando sobre isso. Penso na possibilidade de uma multidão de fantasmas zangados ou desesperados vagando onde antes havia seu ataúde, procurando em vão por anos e anos sua máscara mortuária para voltar a seu corpo, seu lar, após um tempo vagando por outras esferas. Procurando o alimento que lhes foi tirado: pães, bolos, mel, tudo espalhado em laboratórios e museus atualmente. Ficariam com a fome dos fantasmas, e sem possibilidade de ser saciada. Por que não? Se uma religião se diz a correta em relação às outras, por que não a desses mortos mumificados e transformados em órfãos de seus próprios corpos?